Dizer toda a verdade. Dar toda a informação. Ser completamente honesto. São sinónimos de transparência? Não. A informação, designadamente quando excessiva ou desorganizada, ainda que completa, não chega para que exista transparência. É essa a situação no sector imobiliário, tal como noutros.
Para que haja transparência é necessário que a informação a prestar seja acessível, num duplo sentido: apresentada em tempo útil e de forma que seja entendida pelo destinatário (chamemos-lhe: sistematização relevante). É o que acontece com o balancete de uma empresa (vs todas as facturas), um sumário executivo (vs um relatório de todas as actividades e conclusões) ou com a Lei penal (vs Lei fiscal).
Dirão, com razão: nem sempre a transparência é o nosso objectivo prevalecente. Podem levantar-se razões práticas (como a dificuldade técnica) ou de princípio (como a protecção da intimidade). Agora, onde faltarem estas, devemos impor transparência. Só assim podemos tomar boas decisões, sem adivinhação: resolver intervir na gestão depois de lido o balancete, aprovar um projecto de acordo com o sumário executivo, orientar condutas de acordo com os comandos da norma penal. Numa sociedade da informação, como aquela em que hoje vivemos, não se justifica outra realidade.
E no sector imobiliário? Ainda se adivinha. Sem razões práticas ou de princípio para isso.
Os valores praticados nas transacções imobiliárias têm tudo para ser transparentes: a) na sua maioria, as transmissões são registadas pelos adquirentes (de A para B e de B para C), junto do Registo Predial, com regras legais que envergonham qualquer blockchain; b) as características do seu objecto (os imóveis) também, com o registo matricial; c) os contratos (definitivos), com depósito obrigatório e forma “pública”, junto de notários e entidades equiparadas, também. Tudo isto acontece, ainda assim, em locais diferentes, com regras de acesso diversas, sem qualquer cruzamento de informação.
Isto acontece porque o objectivo do registo e da sua publicidade tem sido apenas, até aqui, o da segurança jurídica (garantir que o vendedor é o legítimo titular do bem) – nem sempre alcançado. Acontece que, para além da informação sobre cada imóvel em concreto, é da maior importância o conhecimento geral dos valores praticados, para segurança dos cidadãos e empresas nas decisões que tomam de compra e venda – entre outras formas de transmissão, de exploração ou oneração – e, naturalmente, para a própria actividade de avaliação imobiliária. Não basta estar seguro quanto às partes no negócio, se não houver base de informação que permita (ou deva permitir) confiar no preço.
"para além da informação sobre cada imóvel em concreto, é da maior importância o conhecimento geral dos valores praticados"
Enquanto assistimos a alterações no regime legal do sector – no arrendamento, na avaliação imobiliária (exigências), no investimento (sociedades de investimento e gestão imobiliária) – observamos, (com perplexidade, diria) intocado, o regime geral de (des)informação dos agentes do mercado imobiliário. Existe, hoje, estrutura de dados (três bases de dados complementares), só não existe estruturação destes dados.
Depois de décadas de amadurecimento das regras de registo, de evolução da matéria com a jurisprudência, de aumento da cultura jurídica dos operadores e do capacidade técnica em matéria de análise de dados, está na altura de investir na verdadeira publicidade destas transacções, sobretudo num sector tão social e economicamente relevante. Começar pelos valores praticados por localização e características do imóvel, seria um importantíssimo primeiro passo.
"está na altura de investir na verdadeira publicidade destas transacções"
Hoje, cada um conhece as transacções que faz e não há ninguém que conheça todas. Quando ontem já reuníamos as condições para a transparência, não é aceitável que se mantenham estes pequenos monopólios de ignorância.
Gonçalo Simões de Almeida
Advogado, Mestre em Direito e Gestão